Por Enilton Rocha, maio de 2023.
Pois é, quem não acreditou que a 4 day week chegaria ao Brasil agora não terá mais dúvidas sobre essa realidade que cresce mundo afora. O teste por aqui começa em junho próximo.
Mais um componente que reforça a urgência em repensar a relação carga horária e produtividade. Que fortalece o movimento vida e trabalho, saúde mental e trabalho.
Mas nem tudo são flores nesse movimento que avança e coloca na mesa de negociações a relação trabalho, produtividade e resultados, se considerarmos que, em se tratando de lidar com a natureza humana, outros fatores de peso, nessa tríade, devem ser levados em conta, tais como a cultura brasileira de empregabilidade, a expectativa entre a força de trabalho e capacidade intelectual e técnica do empregado brasileiro; a tradicional gestão por horas trabalhadas entre outros.
Deve-se considerar além disso, que esse movimento nasceu em países cuja cultura trabalhista vem debatendo aspectos de vida e trabalho, de saúde mental e trabalho há décadas e por lá a relação “patrão e empregado” possui elementos culturais e formativos que diferenciam bastante dos praticados no Brasil. Temos no Brasil uma deficiência crônica na educação, da básica ao ensino superior, que pode dificultar a implementação desse modelo de trabalho. Uma educação baseada em conteúdo, uma educação com forte influência sindicalista… uma educação que não prepara a criança, o jovem e o adulto para os desafios do mundo do trabalho, para enfrentar as exigências da criatividade, da liderança, do empreendedorismo, do planejamento e do cumprimento de metas. Falta educação tecnológica para esse enfrentamento.
Há que considerar ainda a influência da mediação tecnológica e o novo conceito de burocracia, na sociologia organizacional, que deve ser adotado para essa nova concepção de trabalho, produtividade e resultados. Segundo Rocha (2023),
a mediação tecnológica, de certo modo, enfraqueceu a mão de obra do chão de fábrica tradicional e estabeleceu um novo padrão nas relações patrão e empregado, propiciando, assim, um novo padrão de efetividade. Nesse contexto, são identificadas algumas perguntas, ainda sem respostas:
✓ Qual a importância da burocracia na sociologia organizacional no contexto atual de produção, no atendimento ao cliente, na comunicação e nas decisões globais das organizações?
✓ A substituição de mão de obra e de algumas profissões, impulsionada pelo avanço da robótica e da inteligência artificial, deve ser ponto de inflexão e ações reflexas diretas sobre as relações trabalhistas e seus contextos sociais na sociologia burocrático-organizacional?
Espera-se que parte da geração brasileira, mais nova, ligada ou conectada pela internet aos avanços da humanidade nas relações sociais, trabalhistas e tecnológicas possa compreender os ganhos reais desse modelo e participar de sua implantação no Brasil. Embora os avanços da neurociência aplicada nas relações de trabalho e na educação sejam pequenos e novos, há que considerar os impactos dessa ciência no sucesso ou insucesso da aceitação e da sustentabilidade dessa proposta. Os estímulos emocionais, a empatia e a disponibilidade psicológica considerados pela neurociência como fatores impactantes nas relações de trabalho também estarão presentes na decisão de aceitação ou não desse novo modelo de jornada semanal.
Noutra perspectiva, a considerar os parâmetros de incentivo e sustentação da 4 day week que propõe aos participantes a tríade de ganhos representada pela simbologia “100-80-100”:
- 100% do salário,
- trabalhando 80% do tempo,
- mantendo 100% da produtividade,
esse movimento pode ganhar força no Brasil, visto que é cultural por aqui o pensamento “redução de salário é inegociável” … embora a história tem mostrado que isso pode ser relativo em determinados contextos, em situações atípicas de remuneração e trabalho.
Outro aspecto que pode influenciar na implantação desse modelo diz respeito à insegurança econômica dos países onde se pretende aplicá-lo, uma vez que as políticas econômicas de seus governantes afetam diretamente as relações de trabalho, gerando insegurança nas decisões e nas mudanças de processos técnico-produtivo-administrativos da sociologia organizacional.
Enfim, creio que seja a hora de o Brasil também testar esse modelo de trabalho e resultados, pois vivemos tempos difíceis e acredita-se que considerar a relação saúde mental e trabalho seja urgente e necessária, mas creio ainda que seja mais urgente rever as mudanças necessárias na legislação trabalhista (novos parâmetros e indicadores para o trabalho e cumprimento de metas, trabalho e saúde mental, trabalho e salário, trabalho e produtividade, trabalho e vida social), mudanças no currículo brasileiro e nos seus métodos de ensino e aprendizagem para sustentar as transformações advindas dessa proposta inovadora no mundo do trabalho. É preciso perguntar ao trabalhador e à trabalhadora brasileiros se eles estão preparados para essa mudança em suas rotinas de trabalho, se eles estão preparados para compreender e assumir uma nova relação trabalhista, nova relação entre meta e resultados com redução de horas e ganhos de saúde mental.
Reflexões correlatas:
- Brasil vai testar semana de 4 dias de trabalho; veja como vai funcionar
- Emoções, empatia e disponibilidade psicológica na aprendizagem online e na híbrida.
- Quiet quitting: demissão silenciosa ou equilíbrio entre saúde mental e trabalho?
Acesso em: https://wr3ead.com.br/9808-2/
- Felicidade no ambiente de trabalho: neurociência aplicada
https://www.brainn.org.br/felicidade-no-ambiente-de-trabalho-neurociencia-aplicada/